De Braga (ou outro sítio qualquer…) a Nova Iorque

No que à Moda diz respeito, mas não só, as marcas sempre tiveram, e imagino que continuarão a ter, um peso brutal na grande maioria das decisões de compra. Pois como é possível aferir, o valor intrínseco de um par de Nike’s “Air Jordan 1 Retro High OG Chicago”, as vermelhas e brancas com o “swoosh” a preto, não está na qualidade objetiva dos seus materiais, nem na ergonomia do seu design, mas sim em tudo aquilo que representam para milhões de “Sneakerheads” em todo o mundo, sendo o modelo em causa alvo de um verdadeiro culto, que leva a que no mercado de revenda um par em boas condições possa facilmente valer milhares de Dólares / Euros, como acabei de confirmar numa pesquisa rápida.

Sendo esse fascínio perfeitamente visível, por exemplo, no filme de animação “Spider-Man: Into the Spider-Verse”, de 2018, que já tive oportunidade de ver e rever aí umas 30 vezes (no mínimo) com o meu filho, tempo muito bem empregue, que fique claro, onde aquilo que acompanha o personagem principal, Miles Morales, (um dos Spider-Heróis do filme) do início ao fim, não é o seu fato de “aranhiço”, mas sim o seu muito querido par de Jordan’s, fazendo inclusivamente questão de não apertar os cordões de um dos pés, o esquerdo, para dar estilo.

Falo em Sneakers pois, sobretudo na última década, tornaram-se sem sombra de dúvida no produto de Moda mais icónico, fruto de uma progressiva casualização do “Business Attire” em geral, e fruto também da enorme influência do “Streetwear” nos vários segmentos de mercado, este impacto é perfeitamente nítido na rendição quase incondicional das marcas de luxo a esta tendência, sendo coleção após coleção, nos últimos anos, os seus Sneakers alvo de muitíssima atenção, consideremos por exemplo os casos da Balenciaga, ou da Gucci, que mesmo com uma linha marcadamente mais “Rococó”, exponenciada pela chegada do Alessandro Michele, não tem deixado de
apostar fortemente nestes modelos. Marcas estas que acabaram de lançar uma coleção colaborativa para assinalar os 100 anos da Gucci, onde curiosamente não aparecem Sneakers, o que acaba por ser compreensível dado o simbolismo da coleção, que pretende por um lado celebrar as origens da marca, e por outro fornecer pistas para o
futuro.

Mas sendo precisamente os Sneakers um produto tão apetecível, a realidade é que o mercado está cada vez mais saturado, dominado pelas grandes marcas desportivas, onde mesmo estas acabam por basear a sua oferta num punhado de modelos, mais bem sucedidos, que depois são reimaginados até ao infinito, considere-se o caso da Converse ou da Vans por exemplo, mas não só, devendo-se este fenómeno, uma vez mais, não a factos objetivos, qualidade dos materiais / design, mas essencialmente aquilo que certos modelos representam a partir do momento em que são adotados pelas mais variadas subculturas, Punk-Rock, Skate, Hip-Hop, Basquetebol, ou mais recentemente os Fashionistas que, pré-pandemia, facilmente podíamos observar com as suas Balenciaga
“Triple S”, nas ruas de uma qualquer capital da moda por esse mundo fora, mas também em Portugal.

É precisamente esse estatuto de ícone que faz toda a diferença, independentemente da dimensão da marca, e é isso que leva por exemplo a que a tentativa de ressuscitar a Reebok por parte da Adidas não tenha sido propriamente brilhante, apesar de todo o know-how e poderio financeiro disponível para o fazer, muita gente com muitos diplomas
a trabalhar no assunto, etc., mas apesar de tudo, ainda não dá para fazer Stan Smith’s ou SUPERSTAR’s da Reebok, poderiam até tentar uma colaboraçãozita, como fizeram recentemente com a PRADA, mas desconfio que mesmo assim não seria a mesma coisa.

Tem sido recorrente nos últimos tempos ouvir muita gente ligada à Indústria da Moda (Têxtil/ Calçado) em Portugal, falar sobre a necessidade de criar marcas, mais marcas, melhores marcas, algo com o qual concordo em absoluto, e em que acredito fortemente há já alguns anos, pois os Clientes da Indústria, regra geral, são as próprias marcas, e tenho que admitir que sempre tive alguma dificuldade em compreender o porquê de a nossa Indústria de um modo quase transversal, demonstrar uma certa dificuldade em dar este passo em frente.

Apesar de todo o prestígio reconhecido à fileira Têxtil portuguesa, a Indústria do Calçado acabou por nos últimos anos ter revelado uma maior capacidade de criação de marcas próprias, algumas até muito bem-sucedidas, nos mais diversos segmentos de mercado e produto.

Mas tenho que confessar que, esta nova vida da Sanjo, deveria ser encarada quase como um case-study, um manual de boas práticas, sobre como gerir e comunicar uma marca de moda no presente, pois para além de todo o património histórico, modelos icónicos, que ocupam um lugar muito particular na nossa cultura-Pop, sobretudo o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido nos últimos tempos, colaborações, etc., vai de encontro aquilo que pessoalmente acredito ser fundamental para o sucesso de qualquer marca, como são a valorização da criatividade e uma comunicação corajosa, que não me querendo alargar, poderão no curto / médio-prazo, tornar a Sanjo num ainda mais sério caso de sucesso, não apenas em Portugal, mas como era apanágio do saudoso Variações, conterrâneo da atual sede da marca, de Braga (ou outro sítio qualquer…) a Nova Iorque.

Sobre este tema gostaria de acrescentar ainda, que seria bom, que de uma vez por todas, o “Made in Portugal” começasse a ser verdadeiramente encarado como uma enorme vantagem competitiva para as marcas, não apenas de moda, mas para toda uma séria de produtos de Design e Lifestyle, podemos pensar no mobiliário, na cerâmica, nas
cutelarias, etc., e perceber que a incorporação de manualidade que ainda está presente em muitas destas indústrias é um fator de diferenciação altamente positivo e não o contrário, e que acima de tudo, é necessário promover uma mudança de perspetiva, de modo a que consigamos todos compreender que a aposta na criação de marcas deverá
idealmente ser encarada como um investimento de longo prazo, pois só assim é verdadeiramente possível construir algo com substância.

Pois para além de ser fundamental incrementar os níveis de criação de marcas em Portugal, é essencial também compreender todas as fases da vida de uma qualquer marca, e assim como uma criança não consegue correr uma maratona semanas depois de dar os primeiros passos, a gestão de expectativas é aqui também muitíssimo importante, pois como quem tem filhos sabe, os primeiros passos são sempre difíceis, acontecem muitos trambolhões, e existe por vezes alguma perda de confiança, depende tudo da personalidade da criança, do contexto em que insere, do seu próprio ADN, mas por mais percalços que existam, e independentemente do tempo que demore, os primeiros passos acabarão por dar lugar a uma tímida capacidade de caminhar, que vai sendo melhorada à medida que a confiança aumenta, e quando nos apercebemos já correm, até bem melhor do que muitas vezes gostaríamos, e apesar do tom ligeiramente lamechas aqui, acredito que quando as marcas são verdadeiramente compreendidas e acarinhadas o resultado pode ser absolutamente incrível!

Leonel Souto
https://www.linkedin.com/in/leonelsouto/
21 de Abril de 2021